É por isso que as redes sociais agora são indispensáveis para os escritores

(E não, isso não é um comentário positivo)

Hoje, quando uma pessoa quer ir de "zero" a escritor, ela precisa fazer muito mais do que apenas escrever. E esse "muito mais" significa basicamente, ter uma conta ativa nas redes sociais e ficar entretendo os seguidores diariamente até você ter um material para vender para eles, e o ciclo vai se repetindo igual um modelo de produção fordista.

O escritor se torna "influencer", cria "conteúdo de valor" em massa para sua audiência, passa horas estudando os algoritmos e procurando estratégias para crescer mais, (o que frequentemente envolve gravar vídeos com potencial de se tornarem virais), vendem alguns livros como resultado e depois fazem tudo de novo.

Mas por que isso é negativo?

Isso reflete muito sobre o que a nossa sociedade se tornou com a revolução tecnológica, não apenas na questão criativa, mas na questão de como os negócios funcionam — afinal todos sabem que a partir do momento que o escritor está publicado, aqueles livros se tornam um negócio.

As redes sociais se tornaram o único espaço onde escritores conseguem encontrar leitores, porque atualmente quase todos estão ali, constantemente, fritando seus cérebros com milhões de informações em segundos. Elas se tornaram o único meio de conexão, e as pessoas não saem mais de lá.

Talvez isso não fosse um problema tão grande, se as plataformas não priorizassem tanto conteúdo superficial e rápido de consumir, em detrimento de conteúdos maiores e cuidadosamente planejados. Foi tudo mudando para criar um modelo onde cada vez mais, as pessoas ficassem dependentes de algo que há poucas décadas vivíamos bem sem.

Tomando como exemplo o Instagram, quando o ícone do app foi mudado daquela câmera retrô para uma câmera neon rosa e laranja, aquilo foi intencional pois a maioria das pessoas utilizava o app no celular, e essas cores mais vibrantes alertam ao cérebro que ele precisa abrir o aplicativo... Mas abrir para que? Essa é a questão. Você só abre, e de repente começa a aparecer conteúdo e quando você se dá conta passou 3 horas ali.

Depois os stories. Os stories foram o início dos conteúdos de consumo rápido, e para piorar eles também tem aquele círculo neon em volta das fotos para que você se atraia por eles no instante em que abrir o app. E eles ficam logo em cima, para que seja a primeira coisa que você vê. Ao menos eles desapareciam depois de 24 horas e seus conteúdos fixos ainda ficavam no feed...

Então vieram os reels. Videos curtos, feitos para prender a sua atenção e que aparecem infinitamente dependendo dos seus interesses. Essa foi a estratégia que até hoje mantém as pessoas presas dentro daquele app, consumindo conteúdo passivamente e de forma ilimitada.

Os leitores não estão mais em outros lugares. Esse é o verdadeiro problema. Se antes existiam fóruns, blogs, revistas literárias e até seções dedicadas a livros nos grandes portais de notícias, hoje a atenção do público está quase que exclusivamente dentro das redes sociais. E não é porque esses outros espaços desapareceram por falta de valor — eles sumiram porque as pessoas simplesmente perderam o interesse em consumir conteúdos mais longos, analíticos e aprofundados.

Isso não aconteceu por acaso. As redes sociais moldaram a forma como as pessoas interagem com informação, estimulando um consumo passivo e fragmentado. O leitor médio, que antes poderia passar um tempo lendo uma resenha detalhada ou acompanhando um blog de literatura, agora se acostumou com a facilidade dos vídeos curtos, dos carrosséis rápidos e das frases de impacto que resumem conceitos complexos em poucos segundos. Afinal, por que ler um artigo inteiro se alguém já pode mastigar o conteúdo em um vídeo de 30 segundos?

E é exatamente nesse ponto que os escritores que não se adaptam a esse modelo fordista da escrita e autopromoção acabam ficando para trás. O termo “fordista” faz sentido porque o processo se tornou uma linha de montagem: o escritor precisa produzir conteúdo em grande volume, atender à demanda por entretenimento rápido, estudar tendências e otimizar sua comunicação para os algoritmos. Não basta escrever um bom livro — é necessário criar constantemente para manter a relevância e garantir que o público sequer lembre da sua existência.

Mas o que acontece com a literatura nesse cenário?

O ritmo acelerado das redes sociais impacta não só a forma como os escritores se promovem, mas também a própria escrita. Se tudo precisa ser curto, ágil e fácil de digerir para não perder a atenção do público, o que isso significa para a complexidade da literatura? Obras mais introspectivas, densas e que exigem maior dedicação do leitor começam a perder espaço para narrativas mais diretas e “instagramáveis”, que podem ser facilmente convertidas em posts chamativos. Muitos escritores se veem forçados a simplificar seus textos ou a escrever de maneira que seja facilmente adaptável para os formatos exigidos pelo digital.

No fim, isso não apenas altera a forma como os livros são divulgados, mas também como são concebidos. Um romance que leva anos para ser escrito e exige paciência do leitor corre o risco de se tornar “difícil demais” para uma audiência treinada a consumir informações em segundos. Aos poucos, a própria noção do que é um bom livro vai sendo reconfigurada para se encaixar na lógica do consumo rápido.

E para os escritores que não querem jogar esse jogo? O cenário é cruel. Se você não está nas redes, você praticamente não existe para os leitores. Se você não cria conteúdos rápidos e envolventes, sua obra tem menos chances de ser descoberta. A literatura, que sempre foi um espaço para reflexão profunda, acaba se dobrando à ditadura da velocidade.

O problema não é só que escritores precisam das redes para serem lidos — é que os leitores já não sabem mais consumir literatura sem elas.

Além da necessidade de autopromoção e produção constante de conteúdo, há outro efeito colateral das redes sociais na literatura: a rigidez na forma e no conteúdo. A dinâmica dessas plataformas não apenas influencia como os escritores divulgam seus trabalhos, mas também como escrevem. Isso acontece porque o público, acostumado a consumir informações dentro de formatos específicos, começa a exigir que os livros sigam essas mesmas regras.

Escritores que fogem desses moldes acabam sendo marginalizados. Se uma história é curta, pode ser vista como “preguiçosa”; se é longa e mais densa, pode ser taxada de “prolixa” ou “arrastada”. O problema não está no tamanho da obra, mas na falta de abertura para diferentes estilos. Muitos escritores escrevem contos curtos por escolha artística, explorando a brevidade de maneira intencional. Outros criam narrativas extensas porque a história exige um mergulho mais profundo. Mas, dentro da lógica atual, que busca padronizar o consumo, qualquer coisa que não se encaixe nos padrões do momento é descartada ou rotulada de forma negativa.

Isso é curioso porque, se olharmos para os livros que hoje são considerados clássicos, veremos que muitos deles não seguiam regras fixas quando foram escritos. Obras inovadoras foram criadas porque seus autores ousaram experimentar novas formas de contar histórias, sem a preocupação de se encaixar em expectativas pré-definidas. Hoje, estudamos esses livros para entender diferentes técnicas, mas esquecemos que elas não foram criadas para serem obrigatórias ou arbitrárias. Nenhum grande autor do passado escreveu pensando em um algoritmo ou em tendências de mercado.

Agora, no entanto, a literatura está se tornando um espaço onde a originalidade precisa lutar para existir. A dinâmica das redes sociais, somada às exigências do mercado, cria um ambiente onde só há espaço para o que já foi testado e aprovado pelo público. Formatos inovadores, estilos únicos e narrativas fora do comum enfrentam mais resistência, pois não se encaixam na estrutura rígida do que “funciona” comercialmente.

A ironia é que essa rigidez vai contra a essência da literatura. Escrita é experimentação, é liberdade criativa. Mas, quando escritores precisam moldar seus trabalhos para se encaixar no gosto do público das redes — um público treinado para consumir conteúdo rápido e previsível —, a literatura perde uma parte fundamental de sua força. O medo de não ser aceito sufoca a inovação, e o que poderia ser uma nova revolução literária acaba morrendo antes mesmo de nascer.

No fim, não é apenas a forma como os livros são consumidos que está mudando, mas também a forma como são concebidos. E isso levanta uma questão preocupante: estamos caminhando para um futuro onde a literatura será cada vez mais previsível e padronizada?

No fim, o maior problema não é que as redes sociais se tornaram indispensáveis para os escritores, mas sim o motivo pelo qual isso aconteceu. Não se trata apenas de um novo meio de divulgação, mas de uma transformação na forma como consumimos informação, arte e literatura. A necessidade de adaptação constante a um modelo de produção acelerado e engessado acaba forçando os escritores a moldarem não só sua presença online, mas também suas obras, para atender a um público que já não tem paciência para o que exige mais tempo e profundidade.

Isso não significa que a literatura vai desaparecer ou que não há mais espaço para obras desafiadoras e inovadoras. Mas significa que o caminho para escritores que desejam seguir por essa rota se tornou muito mais difícil. A busca pela originalidade enfrenta uma barreira imposta tanto pelos algoritmos quanto pelo próprio público, que já se habituou a uma forma específica de consumo.

A literatura sempre sobreviveu às mudanças do mundo, mas sua essência não pode ser reduzida a um ciclo de produção padronizado. Se quisermos que a escrita continue sendo um espaço de liberdade e experimentação, precisamos estar dispostos a resistir à comodidade do que é fácil e imediato. Precisamos lembrar que a literatura sempre foi maior do que qualquer tendência passageira — e que os grandes livros do futuro só existirão se houver espaço para que sejam escritos sem amarras.