A polêmica a respeito dos downloads de eBooks na Amazon

Senta, vamos tomar um café e discutir como essa plataforma é arbitrária demais, para leitores e para autores.

Essa semana um assunto tem sido muito discutido, principalmente lá fora a respeito da nova decisão da Amazon: a partir do dia 26/02/2025 os usuários que compraram eBooks pela loja da Amazon não poderão mais baixar os arquivos desses livros para fins de backup ou leitura em outros dispositivos e plataformas.

Para quem não sabia: era sim possível baixar ebooks comprados pela loja da Amazon como arquivos pessoais. Com um pouco de "técnica", a proteção DRM desses livros podia ser facilmente retirada pelo usuário e esse arquivo que foi comprado poderia ser convertido em EPUB e armazenado em drives ou lido em outras plataformas como Kobo, Google Play Livros e etc.

A questão que está quase levando a um grande boicote à Amazon lá nos Estados Unidos, é o problema de você comprar um livro e não possui-lo de fato. Quando compramos um eBook através de uma loja online, estamos comprando apenas o acesso a esse eBook através de uma plataforma, e não o livro de fato.

Comprar um eBook é completamente diferente de comprar um livro físico, porque a partir do momento que passamos nosso cartão em uma livraria física, aquele livro é nosso para fazermos o que quiser — dentro, obviamente das leis de copyright. Com eBooks não podemos fazer nada disso, mas até então, ainda podíamos ter um backup do material que compramos.

A decisão da plataforma gerou polêmica porque, com essa falta de posse dos arquivos que compramos, e essa exclusividade de que esses arquivos só podem ser lidos por aparelhos e aplicativos da Amazon, existe uma brecha para que, a qualquer momento, esse livro seja alterado ou até mesmo retirado da plataforma, fazendo com que o leitor perca o acesso ao produto que adquiriu. E o dinheiro que foi gasto não é recuperado. Isso está fazendo com que os usuários de Kindle lá fora migrem para outras plataformas (como o Kobo) e parem de comprar livros digitais pela Amazon. Aqui no Brasil seria um pouco difícil pois o único eReader comercializado aqui por um preço "acessível" é o Kindle, mas com essa decisão, os leitores podem decidir pela pirataria ou por usar apenas os programas de aluguel de ebooks (Kindle Unlimited e Prime Reading), que implicaria diretamente na renda dos escritores, que já vou falar sobre.

Como leitora e escritora, eu vi duas situações: com o fim dessa função de download, os livros da Amazon não serão pirateados com tanta facilidade, o que seria de certa forma uma vantagem para os autores independentes, se os leitores não estivessem decididos a não comprar mais pela Amazon. Essa decisão pode dar mais prejuízo ao escritor do que se houvesse a margem para a pirataria, porque as pessoas não querem mais comprar por lá.

O que mais isso implica para os escritores independentes?

Nós somos dependentes dessa plataforma (por mais que eu já tenha tentado me libertar dela). Quando publicamos um livro pelo KDP, podemos escolher receber 35% ou 70% de royalties. Quando recebemos 35%, não somos exclusivos da Amazon, o que significa que podemos publicar em outros lugares e usar a Amazon como "mais um canal". Essa era a minha opção inicial, mas se tornou inviável quando percebi que os royalties que eu recebia eram uma grande palhaçada.

Meus eBooks custam metade do preço do livro físico, esse é um padrão que eu pessoalmente sigo. Não achava justo que meu leitor pagasse o valor inteiro do eBook e eu não visse nem metade desse valor, então troquei para o plano de 70% de royalties, onde em teoria, eu deveria ganhar mais dinheiro. A cada venda eu recebo sim, 70% de royalties, mas o meu livro precisa estar no Kindle Unlimited (onde os royalties por página lida são literalmente menos de 1 centavo) e não pode ser comercializado em mais lugar nenhum, apenas no Kindle.

Isso nos leva a um dilema: vale a pena permanecer na Amazon? Como autores independentes, estamos cada vez mais presos a uma plataforma que restringe nossas opções e, ao mesmo tempo, reduz nossas chances de lucro real. Se os leitores estão deixando de comprar eBooks na Amazon por conta dessa nova política, e se os escritores não têm outra opção viável para distribuição, então todo o ecossistema literário digital pode sofrer um grande impacto.

A exclusividade do Kindle Unlimited, por exemplo, pode ter sido vantajosa no passado para quem queria acesso a um catálogo maior por um preço fixo. Mas quando os leitores começam a migrar para outras plataformas ou simplesmente optam por não comprar mais eBooks, o modelo de assinaturas se torna insustentável para os autores. Afinal, ganhar centavos por página lida nunca foi um bom negócio para quem escreve, e agora pode se tornar ainda pior.

Além disso, essa decisão da Amazon acende um alerta sobre o futuro da literatura digital. Se as grandes plataformas continuarem restringindo o acesso ao conteúdo adquirido, podemos estar caminhando para um modelo onde os leitores nunca mais terão propriedade sobre os livros que compram. Isso afeta não só a experiência de leitura, mas também a preservação cultural e histórica dos livros digitais. Quantas obras podem ser apagadas ou modificadas no futuro sem que os leitores tenham qualquer controle sobre isso?

Para os escritores independentes, talvez seja o momento de começar a buscar alternativas, como a venda direta por meio de sites próprios (algo que eu mesma já tentei) pode ser um dos caminhos para recuperar um pouco da autonomia perdida. No entanto, a questão da acessibilidade ainda pesa: o Kindle é o eReader mais popular no Brasil, e a falta de opções acessíveis torna difícil para os leitores fazerem essa transição. Esse foi um grande motivo para a venda direta dos ebooks no meu site não ter se tornado um modelo sustentável e eu ter voltado para a Amazon.

O que podemos fazer agora? Como leitores, podemos começar a exigir mais transparência das plataformas e buscar maneiras de apoiar os escritores de forma mais justa, e também de garantir nossos direitos sobre os produtos que nós adquirimos com o nosso dinheiro. Como autores, podemos explorar novas formas de distribuição e incentivar nossos leitores a experimentarem outras plataformas.

Uma coisa é certa: essa decisão da Amazon não passou despercebida e pode ser o começo de uma mudança significativa no mercado de eBooks. Resta saber se essa mudança será para melhor ou se apenas fortalecerá ainda mais o monopólio das grandes plataformas sobre o mercado editorial digital.